quinta-feira, 27 de novembro de 2008

Ciência do homem

Uma coisa que muito me irrita na vida é a adoração que pessoas tem por certas idéias, títulos ou conceitos. Atualmente tem me irritado muito, cada vez mais, o apego patético que os colegas de academia sentem pela palavra "ciência".

Todo mundo quer ser cientista. Eu até entendo como isso começou, afinal de contas, quando inventaram as "ciências humanas", se chamar de cientista era o gás da Coca Cola, por que todo mundo achava ciência uma coisa legal pra caramba, e pra ganhar respeito na acadêmia todo mundo tinha que fingir que se utililizava do "método científico" (seja lá que método é esse). Ai ficou métodologia pra ca, cientificismo pra lá, e assim foi indo. 

Mas hoje em dia ninguém mais acha graça em cientista, daí me causa uma preguiça bovina essa mania que recorre nas universidades do mundo inteiro de classificar uma idéia como melhor ou pior de acordo com o "grau de cientificismo dela" (que por si só já é um conceito bizarro).

Longe de mim propor o abandono ao método, qualquer que seja. Longe de mim querer invalidar qualquer forma de construção de qualquer tipo de conhecimento, só o que acho denso e até mesmo pueril, é essa idéia provinciana de que se alguma idéia foi gerada fora dos "moldes científicos" ela é menos aceitável na academia.

Discutindo recentemente, com um pessoal da antroplogia (que sinceramente tem sido o melhor pessoal pra se discutir), uma senhora muito respeitada, em meio ao seu discurso, disse alguma coisa do tipo "eu até achei as idéias do texto muito interessantes, parece pertinente, mas não foi demonstrado nenhum rigor científico da produção do texto, então não trouxe aqui para o debate" Sendo até meio chato, e um pouco agressivo (que novidade, né?), levantei a mão e perguntei: "e daí?"  Sem dar tempo pra resposta, comecei a explicar que o conhecimento moderno não é formado apenas de conclusões extraídas de processos científicos, e que afirmar uma bobagem desse tamanho é a mesma coisa que afirmar que a obra do Shakespeare exerce influência menor no pensamendo humano do que a obra de Newton, por exemplo.

Se a ciência não da conta das questões humanas, não são as questões que devem ser reformuladas, mas o método é que deve ser modificado. É burro tentar tratar de questões conteporâneas com métodos ultrapassadas. 

Se o método científico funciona, use-o, se não quiser usa-lo, use outro! Use o que achar melhor. Se as idéias forem boas, se o texto for pertinente, pouco importa como foi feito. E se algum cientista quiser usar o método deles pra provar que o conteúdo do texto não pode ser considerado correto, ótimo. Só o que não da mais é ver esse tanto de pretenso intelectual, filhos da excrecência arcaica do pensamento moderno, tirar o mérito de obras simplesmente por não apresentarem um método com o qual seus cérebros limitados dão conta de aprender.

Não faz a menor diferença a maneira que um texto foi construido se ele de fato influencia a organização social. O ambiente acadêmico já é suficientemente denso e limitado para que se limite mais ainda. Qualquer filósofo conteporâneo, minimanente lúcido, já entendeu que não são nem mais as respostas que estão mudando, mas são as próprias perguntas que não fazem mais sentido. Em uma época onde o conhecimento depende muito mais da relação entre os conceitos criados pela linguagem, é patético usar como argumento o jargão: "ah, mas isso não é científico."

Se se pode dizer que o papel da universidade é a criação de um conhecimento, dentro de um determinado universo ontológico, é ridículo acreditar que o mesmo método usado pela filosofia política há 200 anos atrás ainda deve ser o único a ser aceito hoje.

É por causa dessa e outras pataquadas que o estudante universitário ainda está se perguntando "qual o argumento de validade da norma" ou "quais as condições idéias de discurso".

Se vocês pararem de tomar rivotril e abrirem os olhos vão ver que não são só as respostas que mudaram, mas as perguntas também.

Então, por favor, PAREM DE ENCHER O MEU SACO falando de método científico, e PAREM DE BRINCAR DE INTELECTUAL. Parem de repetir o que escutam dos seus orientadores, por que eles, por sua vez, tem o costume de repetir o que ouviram de seus orientadores. 

Duzentos anos depois, só o que vocês estão fazendo é confirmar o que sinto há um tempo: acadêmico serve mesmo é pra beber cerveja em boteco.

E vai ser uma puta cerveja chata dos infernos se alguém começar a falar de filosofia. 

5 comentários:

Clecio Luiz S. Júnior disse...

Oi Nayara,
Beleza de texto.
De fato o T.O.C da universidade em acomodar cada coisa em sua gavetinha própria e exclusiva regulamenta tanto, que pensar está se tornando chato e burocrático. É preciso rever estes métodos. No entanto, e os acadêmicos deviam saber disso, o conhecimento não se faz apenas pelo método científico. Onde fica a Arte nessa história? Você cita Shakespeare com razão. Há tanto conhecimento na poesia e nos trágicos de todas as eras quanto nos Newtons, Einsteins e Habermas de agora. Einsten, aliás, tem muitas de suas premissas nas tragédias; note a questão de Édipo que Einstem busca em Sófocles; note a questão da sexualidade precoce que Einstein busca em Frank Wedekind no seu "Despertar da primavera".
Mas uma coisa me sossega Nayara: o fato de você escrever. Seu texto é manso, sem rebuscamentos, sem metodismo e beira o poético. Este recurso livre da escrita e do pensamento já vem tomando alguma, ainda que pequena, forma e volume na academia. Talvez esse seja o caminho para a mudança que só há de vigorar numa próxima geração, quando fores tu, a professorinha!

Beijo bem grande!

feiolipe disse...

Concordo plenamente, mas a parte do discurso da senhora... acho q faz algum sentido... nao q ela nao possa trazer ao debate uma idéia obtida fora dos moldes do conhecimento científico, mas dependendo do seminário (ou seja lá oq for que acontecia) pode ser importante, ainda mais em antropologia, que apesar de não ser uma "ciência-exata" (e por isso, nao deveria se agarrar apenas ao método científico) tem no método científico uma maneira mais eficiente de tirar conclusões (ou então seria tudo uma conversa de boteco). Enfim, parece contraditório, mas eu to escrevendo sem parar pra ler oq ja escrevi e a síntese é: concordo com vc truta!

Bernardo Coelho disse...

Ok, eu não me chama Nayara. Me chamo Bernardo.

Unknown disse...

Nayara, concordo com o brother que fala que serás tu a professorinha.

Rogério Brittes disse...

Eu gostei do texto e acho que concordo com tudo. Que ser "científico ou não" não deve ser o padrão único e exclusivo de avaliação de proposições, que apesar disso os métodos tem sua importância (acho que uma das coisas que torna a antropologia interessante é o método da etnografia com participação observante - seja lá o que isso seja), que as questões mudam. Só não concordo que a cerveja fique chata quando se começa a falar de filosofia.