sexta-feira, 23 de novembro de 2007

Vendido #2

Olhei pra trás, sentindo a testa franzir involuntariamente. O cigarro, pensei que ele fosse uma boa saída pra aquela situação horrível. Alcancei um Lucky Strike e acendi, reunindo forças pra conseguir falar alguma coisa que não fosse terrivelmente idiota ou ofensiva. Voltar a fumar foi a melhor coisa que eu fiz desde que parei.

XnX LXXsX estava ali, do outro lado da mesa. Lenço amarrado no pescoço, óculos escuros, veneno jorrando pelas presas afora. E pensar que eu tinha compartilhado tanto com aquela mulher. Uma tragada, duas tragadas.

"Cê vai vender o apartamento?" Eu eu ainda não tinha conseguido olhar pra frente e não era covardia. Eu estava sem óculos-escuros, exposto, ela tinha essa vantagem absurda, essa benção de não ter que ser encarada nos olhos.

"Como assim eu vou vender? Ele não é nosso?" Ela soluçou pra falar isso, está frágil. Bom sinal.

"Sim, mas foi em outra situação. A gente tava junto." Olhei pra frente dentro do Armani chiquérrimo dela. Essa conversa era obviamente desnecessária e chata. Depois de um mês sem dizer nem bom dia ou boa sorte um pro outro, tava claro que não tinha mais pendência alguma.

Silêncio estranho. O garçom traz meu café e um cinzeiro. Ela desvia o olhar dessa vez. Fico entre a nicotina e a cafeína esperando alguma coisa acontecer.

"Queria te pedir desculpas." Silêncio. "Desculpa."

"Não tem que pedir desculpa por nada, a culpa não foi só sua. Nada tem obrigação de dar certo." Fico fazendo de sério mas porra, a fragilidade dela me desarmou. Dá pra ver até uma lágrima saindo por debaixo dos óculos escuros.

"É, eu sei disso. Mas não consigo saber o que foi que deu errado..."

"Pois é, os cinco anos foram bons." Se eu tirar os últimos oito meses talvez essa frase seja verdade.

"Mas você me desculpa?"

"Claro." Respondo sem convicção. Agora não preciso mais me submeter a nada pelo bem de ninguém, então foda-se.

Mais silêncio. Dei uma última tragada e apaguei o cigarro. Aposto que o cinzeiro desse lugar custa mais do que um dia de trabalho meu. Talvez trabalhar como garçom aqui pague melhor do que na agência onde eu tô agora.

Ela balança a cabeça rapidamente, de um lado para o outro.

"Não sei o que foi que eu vim fazer aqui..." Pegou a bolsa como se fosse levantar.

"Pára com esse drama porra! Eu nem penso mais no que aconteceu. Cê tem que esquecer também."

"Pra você tudo é simples né?" Pronto, começou a gritar, cutuquei a cobra. "Pra você tudo é assim: facinho, pequenininho."

Abaixei a cabeça puxo outro cigarro do bolso da jaqueta.

"Isso, foge do problema. Cê sempre fez isso mesmo."

Comecei a rir sozinho, o que deixou ela ainda mais alterada.

"Onde é que você pensa que ia estar sem mim. Pra onde você acha que vai? Eu cuidei de você sabia? Eu te apoiei, eu te guiei. Você me deve muito!"

Acendi o outro cigarro. Todo mundo em volta tava olhando, alguns incomodados, outros se divertindo. Eu mesmo não sabia o que sentir.

"XnX, você não tá arrependida de porra nenhuma do que falou ou fez. Se pudesse você ia fazer tudo de novo. E sabe por quê? Porque você é uma frustrada, uma mulher que não consegue se aceitar, que não consegue se contentar com nenhuma felicidade. Se eu fosse um executivo milionário com a cara, sei lá, do Pierce Brosnan você ia me por algum defeito. Cê não quer um homem, cê quer é uma porra de uma justificativa pra ser infeliz."

Ela se mexeu violentamente como se fosse derrubar tudo na mesa mas ficou sem palavras. Acho que não me sentia tão bem desde... nem me lembro quando. Eu percebi que odiava ela ainda mais. Joguei dez reais em cima da mesa, o que era o suficiente pra pagar o café italiano, o serviço do garçom e ainda sobrar um pouco pro gerente dessa merda grã-fina enfiar no rabo. Levantei e saí.

Quando dei meu segundo passo escutei um soluço gigantesco que depois virou a seguinte frase:

"GXbrXXL, eu tô grávida"

Cheque-mate. Alguns argumentos ganham qualquer discussão.

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Vendido #0

Vendido #1

2 comentários:

Anônimo disse...

Muito legal, cinematográfico!
abç
fidélis

Rogério Brittes disse...

Aposto que a Ana Luisa é mor gata [c=


tá fodasso pra variar, barba!