sexta-feira, 7 de dezembro de 2007

Rock n Roll Suicide

Tocava alguma coisa ruim. Uma dessas bases eletrônicas ridículas com uma mulher desafinada cantando por cima. Acho que foi o cheiro de cigarro que me jogou nessa viagem amarga e desesperada. Talvez tenha sido o tédio.

Sabe, você vê aquelas pessoas felizes dançando como idiotas e se esfregando como animais no cio, e ainda assim não consegue pensar em nada bonito, sexy ou interessante. É só escuro. Acho que o melhor lugar para se matar fantasmas do passado é uma boate cheia de gente.

Fantasmas de um passado distante e os tormentos das escolhas infelizes de um passado recente. Você vê aquelas pessoas com quem costumava se divertir. Aquela menina que até pouco tempo atrás seria a mãe dos seus filhos, a mulher com quem você jurava que queria passar o resto dos seus dias, e ainda assim não pensa em nenhuma das coisas que deveria estar pensando. Você vê que na verdade a fumaça do cigarro é a coisa mais interessante à sua volta, e se pergunta se você estava bêbado quando pensou que aquilo ali, aquelas pessoas e aquele lugar poderiam trazer qualquer tipo de satisfação ou prazer. Amizade, felicidade, conforto, amor e paixão são coisas tão distantes que você se pergunta se de fato existem. Você quer que um raio lhe parta ao meio. Você quer ser burro, fútil, ignorante e vulgar como as outras pessoas. Você quer fingir como elas que tudo está bem, que a noite é sua amiga e que ainda existe alguma possibilidade. Esperança, é isso que você quer.

É aí que você percebe que o problema não é o lugar. Se fosse, já teria ido embora. O problema é o amontoado de cicatrizes que você colheu nas batalhas que lutou. Você chama essas cicatrizes de experiência, sabedoria, ou sabe-se lá o que, mas no fundo sabe que são apenas cicatrizes. Você vê que as suas cicatrizes o transformaram em uma pessoa cínica, amarga e descrente. Você entende que não venceu as batalhas, que morreu em alguma delas e que tudo agora não passa de uma ilusão que você não é idiota o bastante para sustentar por muito tempo. Queria ser, mas não é.

“If you are so cleaver, why are you on your own tonight?
And if you are so terribly good looking, why will you sleep alone tonight?”

Você sente inveja de todas as pessoas que morreram antes de você. É por que hoje é uma noite como todas as outras, é por isso que você está sozinho. E você chora.

Você reza para um Deus que você não acredita que exista. Você quer que ele te faça dormir para nunca mais acordar. Espera que o sono tenha com você a gentileza e a doçura que a vida não teve. Quer que o sonho te leve para longe, para a felicidade que deixou para trás. Para as montanhas de açúcar que escalava quando era criança, para o colo que ofereciam quando você chorava, para o céu que nunca mais foi tão azul, e para o mar que te dava medo quando a água chegava no pescoço. Você nunca mais viu o mar. Talvez seja isso. Isso e a fumaça do cigarro.

Você se lembra daquela vez que seu avô te ajudou a subir o telhado e, lá de cima, você viu um sapo parado no quintal. Você lembra de ter jogado uma pedra no sapo, e daquela ter sido sua primeira experiência com a morte. Você não sabe por que é que ainda se lembra daquilo, e muito menos por que é que se lembrou justamente agora. Você sabe que fazia calor, seu avô usava óculos e o quintal não tinha aquela grama verdinha e bem cuidada dos quintais que aparecem em filmes. Era terra, com alguns pedacinhos de grama espalhados aqui e acolá, como os quintais de verdade costumam ser. Você lembra do nó na garganta que te deu compreender a diferença entre uma coisa viva e uma coisa morta, e o peso da consciência de que aquilo que você fez nunca mais poderia ser desfeito. Nunca pode. lembra de ter jogado uma pedra no sapo, e daquela ter sido a primeira experirazer qualquer tipo de satis

Por um momento as luzes te chamam a atenção. Você pensa que elas são suficientemente feias para que pessoas de mau gosto se divirtam com elas. Você lembra que um dia já gostou daquele lugar, mas não sabe bem ao certo por que. Talvez seja por que na época você ainda gostava de alguma coisa.

Toca alguma coisa quase razoável agora, e você sorri. Um desses rockinhos de boate que as pessoas preguiçosas demais para escutar rock de verdade gostam de ouvir. É ruim, mas não te ofende.

Você já está do lado de fora. O cheiro frio da madrugada se mistura com alguma coisa amarga na sua garganta.

Você lembra de ter ido ao parque quando era pequeno. As árvores, os patos, os brinquedos e toda aquela alegria ingênua e infantil. As gotas de água fria que pingavam no seu rosto quando alguém passava remando um daqueles barquinhos de madeira por perto.

É uma lembrança feliz. Nada mais triste que uma lembrança feliz em uma noite miserável. Uma vida miserável.

E é então que você vai. Sua vida não passa diante dos seus olhos, e você não se sente mais feliz do que antes. Você não pensa em ninguém que queria ter visto pela ultima vez e nem se arrepende antes do fim. Não pensa na família e nem se nos dias em que foi feliz. Não sente cheiro de flores e não vê arco-íris nenhum. Não é quente nem confortável. É só escuro.

Que fique bem claro que você não sou eu. É o meu eu lírico.

7 comentários:

Anônimo disse...

nó, até li duas vezes.
às vezes sinto isso aí tudo, aí volto a jogar counter-strike e passa.

Rogério Brittes disse...

quem não sente esse tipo de coisa, afinal de contas?

Bernardo Coelho disse...

Eu não! Quem sente isso aí é só o meu eu lírico.

Locadora do Werneck disse...

Cara, ninguém sente isso. Só a gente. Por isso que a gente é amigos.

Todo mundo sofre um pouco, mas é diferente. Um jogo do Cruzeiro, um sapato novo, e passa. Terapia, prozac, e passa.

Aqui não.

Rogério Brittes disse...

mmm... sei lá cara, acho meio fácil se sentir especial e superior assim.

Claro que tem gente completamente superficial por aí, mas não acho que sejamos exceções.

Talvez a gente expresse nossos problemas na mesma linguagem, como expressamos nossas piadas na mesma linguage, por isso somos amigos.

luzinha disse...

amizades&sociolinguistica? acho que eu achei isso engraçado

ia ser mais bonito se a gente fosse amigo por alguma razão bem estúpida e pouco razoável

tipo algo fellini-like como se nossas vozes tivessem as mesmas cores isso ficou barango mas eu gosto de pensar assim lalala. uncritical love. é só o que importa eu acho.

Anônimo disse...

eu sou amigo de muitos por alguma razão bem estúpida e pouco razoável. mas não tem nada a ver com Fellini porque ele é palha.
o que importa é ver o galo doido campeão, o resto é papo cabeça.