terça-feira, 31 de julho de 2007

Eros e psiquê

Eram dois palhaços. Ele careca, ela de cabelo espetado.

Ele tinha uma lágrima desenhado no rosto, morava em um cidade fria e vazia. Vivia vagando por ruas escuras, fazendo seja lá o que palhaços costumam fazer em ruas escuras. À meia noite sentava-se em uma mesa de pano xadrez branco e vermelho, em um daqueles restaurantes enfumaçados que servem comidas quentes e bebidas frias. Acompanhava com os olhos o movimento lento e cronometrado dos ponteiros de um velho relógio que enfeitava a parede. Contava silenciosamente as rachaduras do teto, e ainda mais silenciosamente dialogava sozinho sobre o sofrimento de saber que as coisas passam mais depressa que o tempo.

Ela tinha muitas coisas desenhadas no corpo. Flores, cartas, corações e nenhuma lágrima. Morava na mesma cidade, que não era nada fria ou vazia. Vivia cercada de cores fortes e tinha um cheiro muito vivo. Um cheiro bom, de que não sabe nada sobre a vida, e como de costume entre as pessoas felizes, prefere não saber. Ia todos os dias ao mesmo restaurante, mas nunca percebeu o reológio que enfeitava a parede. Há muito esquecera como se olham as horas. Quando chegava, todos olhavam, e ela gostava quando olhavam. Sorria um sorriso sincero, desses que costumam sorrir as pessoas inocentes e as crianças de seis anos. Ficava feliz em saber que na vida as coisas passam e se esquecem do tempo.

Um dia se encontraram. Ele andava depressa pela rua sombria, e ela passeava com calma pelo jardim colorido. Amaram-se por um instante, aquele tipo de amor leve e sem nenhuma consequência. O instante passou e cada um segiu seu caminho, fazendo sabe-se lá o que palhaços costumam fazer em ruas sombrias e palhaças costumam fazer em jardins coloridos.

Ela fez ele chorar, ele fez ela sorrir.

Um comentário:

Anônimo disse...

Das coisas mais lindas que li atualmente.