quarta-feira, 15 de agosto de 2007

Tempo

As saídas de emergência se localizam à esquerda da cabine de comando.

Sem tempo e sem nada. Sem chão. Sem sal. Nada. [Des]feito de coisas sem graça, engraçado é problema dos outros. A dor não passa e todo remédio que existe só faz piorar. A tarde é quente e muito densa, lembra uma borra de café. Quente.

Frio e completamente assustado. Os recalques da infância e as controversias da adolescência parecem deliciosamente interessantes em meio ao tédio bovino que toma conta das veias. O gosto seco de nada na boca, o ar que tão denso um que tivesse faca bem amoladinha poderia cortar-lhe os pedaços.

Escovar os dentes.

DENTES

As long as you love me já não é o bastante. Não, não é. É preciso que tenha cheiro e som e gosto e tato. E preciso que se veja, que se forme, que se pegue. É preciso. Precisamente calculado e a respiração é ofegantemente invariada.

É interessante como algumas coisas funcionam. Não existe ainda nenhuma explicação científica de por que é que as vezes o tempo passa tão devagar, e algumas outras, geralmente quando mais se precisa dele, tão depressa. Pelo menos não nas ciências de verdade, aquelas com números, tabelas e formas.

Outro dia ouvi um caso estranho: um sujeito, não sei o nome dele, parado na porta de uma dessas igrejas enormes, cheias de degraus e com aquelas portas imensas perguntou ao padre que saia da missa por que é que tudo ali era tão grande. Padres provavelmente entendem dessas coisas, deve ter pensado o sujeito, mas eis que aquele padre se limitou a responder que era pra que o tempo passasse mais rápido.

É verdade que existe um certo costume entre o clero de responder enigmaticamente as coisas que não tem resposta, e ainda mais enigmaticamente as coisas cujas respostas pretendem guardar entre os muros de sua fé; mas esse enigma me pareceu um tanto quanto interessante, pois veha: será que o padre quis dizer que construir igrejas ocupava os homens, e por isso fazia o tempo andar mais rápido? Ou será que respondia ele que o simples ato de contemplar uma obra tão cheia de graças e suntos fazia o tempo parecer mais insignificante?

Talvez devesse treinar meus olhos para que de fato minha alma pudesse através deles admirar o mundo, mas ao contrário dos poetas e dos professores de biologia do segundo ano, eu não vejo em olhos muito mais do que vejo em bocas e narizes. Minhas pupilas não são os mirantes da minha alma. No máximo, quando muito dilatadas, são o espelho eterno das amenidades que jogam sobre elas.

O que me intriga mais ainda é que num mundo onde todos reclamam da falta de tempo ainda existam pessoas que procuram os famosos passa-tempos. Ora, eu não quero que meu tempo passe assim tão depressa. Eu tenho um milhão de pequenas coisas, absolutamente inúteis e insignificantes pra fazer, e gostaria de poder usar esse tempo que as pessoas gastam por aí, sem ver, que nem dinheiro de bêbado. Gostaria de poder usar o tempo que as pessoas gastam construindo aquelas igrejas enormes, cheias de degraus e com portas imensas.

Talvez a resposta não seja essa. Acho que o padre estava dizendo que o tempo é muito grande, e precisa de espaço pra poder passar. Se a porta fosse pequenininha, ele ia ficar preso dentro da igreja.

5 comentários:

Rogério Brittes disse...

A Catedral da Sagrada Família em Barcelona é enorme, mas aprece um castelo de areia. Décadas pra ficar pronta, está até agora sendo feita. Um castelo de areia gigantesco em homenagem à efemeridade do homem e à permanencia de suas construções, como Deus. Gaudi morreu atropelado quando foi dar uma olhada a quantas andava a obra.

só que nesse seu post aí tem mais existencialismo que mulher pelada. o que deve ser errado em vários níveis.

luzinha disse...

bebêzinho escreve tão buniiiiito.

Anônimo disse...

O pior nisso tudo é que o Gaudí realmente morreu atropelado.

Bernardo Coelho disse...

Existencialismo, mulher pelada, atropelamento de artistas famosos... Tudo uma coisa só cara... Its all conected!

Unknown disse...

tudo faz parte da Matrix