terça-feira, 11 de setembro de 2007

Queimado

"Sinto informar, mas o exame confirmou que o senhor tem um câncer de pulmão."

Tudo devia ter parado na hora em que o doutor Menezes me disse isso, mas não parou. Eu já sabia de tudo. Tinha uns meses que eu já tava fraco, sem conseguir comer direito. Até respirar era difícil. A velha me olhava de longe, brincava que a idade tinha chegado, me falava pra ir na farmácia comprar viagra. Mas acho que até ela sabia. Quando um homem vai morrer ele vê o fim toda hora em que olha pra um espelho. Quando pode olhar nos próprios olhos. E no espelho eu encontrava minha cara magra com os olhos já saltando um pouco pra fora. Tudo acaba, não é?

"Eu sei doutor. Quanto tempo de vida eu ainda tenho?"

Ele me olha ressabiado. Acho que é o primeiro paciente que não fica chocado quando recebe uma notícia tão ruim como essa. Vai ver que até os que chegam aqui já tão doentes como eu ainda tenham um cadinho de esperança.

"Com quimioterapia e radioterapia nós podemos..."

"Mas eu não vou ficar curado, né? Quer dizer, vou viver ligado em um monte de máquina de hospital."

Ele sabe disso. Os médicos tinham que aprender que não existe vida dentro de hospital. É que nem cemitério, só que com a gente preso no leito, vendo tudo. Cemitério é lugar de tristeza, hospital é lugar de medo. E morrer com medo é muito ruim.

"Sim, mas o senhor tem que considerar..."

Ele fala um monte de coisa, mas nem escuto. Fico pensando em assuntos mais importantes: minha velha, meus filhos, os netinhos pequenos. Em como nunca mais vou pescar, dançar, nem beber com os amigos. É ruim, mas acho que vivi bem, não preciso me arrepender de nada.

"Doutor, eu não vou querer tratamento. O que é que o senhor pode me dar pra eu tomar em casa? É lá, do lado da minha família que eu quero morrer."

Saio de lá com uma receita nas mãos. É difícil respirar, mas é como se eu tivesse uns instantes a mais cada vez que o meio peito fica cheio. Na farmácia, compro tudinho que me foi prescrito. Me olham com cara de pena. A medicação vai me tirar o sono ou o apetite? Talvez, se eu não sentir dor já está ótimo.

Ando mais um pouco e sento na praça. O mesmo banco de todo dia à tarde, pra discutir futebol e política. Mas não tem ninguém lá ainda, é menos de meio-dia e fico acompanhado dos ônibus, azuis e vermelhos, que passam pra lá e pra cá. Dos moleques de rua correndo, com a mãozinha fechada pra cheirar cola. Da polícia achando que manda em tudo. Dos ambulantes que ganham a vida pra gritar.

Fica mais fácil respirar e eu abro o maço e puxo um cigarro. Nada combina mais com esse mundo.

4 comentários:

Rogério Brittes disse...

Bonito e triste, Barbi, parabéns [c=







ah, só uma coisa: onde tá escrito "seu não sentir dor" deve ser "se eu não sentir dor" né? erro dem digitação.

Anônimo disse...

Devo ter comido um pedaço enquanto mudava alguma coisa no texto pela enésima vez. Valeu : )

Locadora do Werneck disse...

Põ... Fiquei boladão com esse texto... Vou enrolar um bob marley e pensar melhor sobre o assunto...

Anônimo disse...

"boladão" :P